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Café, celular e fone de ouvido: logística reversa e economia circular

Modelo circular permite viabilizar os princípios ESG e chegar ao desperdício zero

 

Advogados, juízes e demais operadores do Direito sempre se utilizaram do conceito de economia circular, mesmo sem ter dele um conhecimento prévio. Aproveitando as linhas escritas de uma petição ou decisão em um novo documento, maximizam os recursos de um documento “modelo”, usando um segundo trabalho a partir de um primeiro. Assim, produzem mais com menos e evitam o desperdício de recursos.

A advocacia sempre vivenciou os ensinamentos da economia circular. Até a década passada, quando os processos eram físicos e ainda havia os “protocolos” presenciais, já havia a utilização de folhas impressas como rascunhos – quando a peça continha erros e não seria mais levada a juízo, ou quando os estagiários organizavam o deslocamento ao Judiciário e aproveitavam uma única “viagem” para acompanhar dezenas de processos, economizando recursos e ganhando produtividade.

Atualmente, a mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), também busca aumentar sua eficiência ao utilizar recursos de inteligência artificial: o robô “Victor” agrupa processos com classificação em temas de repercussão geral de maior incidência, e assim diminui o tempo de duração do processo, acelerando julgamentos e aumentando a produtividade jurisdicional, conforme estabelecido nas metas definidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

É evidente que a compreensão da economia circular é muito mais ampla e não se limita ao ambiente jurídico. Não se trata de algo novo, mas sim de um sistema que ganhou maior projeção com o aumento das preocupações ambientais e os avanços dos critérios ESG, tendo como principal ponto a diminuição do descarte de resíduos.

O oposto da economia circular é a economia linear, isto é, que caminha em uma única direção e tem como “final” o descarte dos resíduos ao não enxergar uma extensão na vida útil dos produtos. Para compreender a extensão da economia linear, basta olhar os eletrônicos “parados”, muitas vezes quebrados, que ainda não foram corretamente descartados.

A contribuição da economia circular é repensar produtos e serviços para economizar recursos, aumentar a eficiência da indústria, diminuir o descarte (lixo), reaproveitar, reciclar ou reutilizar produtos para que as próximas gerações não sejam prejudicadas com o consumo exagerado dos dias atuais, evitando-se a utilização da matéria-prima até seu esgotamento.

De uma forma estruturada, tem-se a seguinte definição: “Economia circular é o conceito de uma economia verdadeiramente sustentável, que funciona sem resíduos, poupa recursos e atua em sinergia com a biosfera. Em vez de encarar as emissões ou subprodutos e os bens danificados ou indesejados como ‘resíduos ou lixo’, na economia circular esses itens se tornam matéria-prima e insumos para um novo ciclo de produção”.

O cotidiano jurídico, além da realidade apresentada aqui, congrega ainda dois elementos, a saber: a lei e a judicialização. A economia circular, como parte integrante da nova realidade social, também é encontrada nos dois elementos.

Desde 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei 12.305/2010[3], traz inúmeros conceitos, princípios, diretrizes e instrumentos relacionados à economia circular. Um destaque é o conceito de logística reversa previsto no artigo 3º, inciso XII, como “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos para reaproveitamento pelo setor empresarial em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.

Para compreender como funciona na prática a logística reversa, outro elemento do dia a dia da comunidade jurídica serve como exemplo: o café. Só ou acompanhado, em audiência, reunião ou apenas para iniciar mais um dia de trabalho, o café pode exemplificar muito bem a economia circular e a sustentabilidade. Uma das principais fabricantes de café em cápsulas para máquinas relata em seu site todas as suas iniciativas de sustentabilidade. As cápsulas são de alumínio, produto infinitamente reciclável e que permite extrair a borra de café (resíduo) mecanicamente, sem a necessidade de utilizar água (recursos), para ser utilizado como adubo na plantação de mais café.

As cápsulas de café são coletadas para reciclagem em centenas de pontos pelo Brasil através da atuação de dezenas de cooperativas parceiras, como claro exemplo de logística reversa. Como resultado da reciclagem, surgem diversos novos produtos, como canetas e bicicletas, entre outros.

Importante destacar que desde 2007 a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) desenvolve o programa Café Sustentável, inclusive através do selo de sustentabilidade conferido aos fabricantes. Mas mesmo diante de tantas iniciativas positivas, as empresas foram criticadas pela utilização das cápsulas de alumínio e pela desproporção entre a quantidade de cápsulas utilizadas versus aquelas que retornam para a reciclagem através da logística reversa.

É inevitável que diante das inovações da indústria para atingir os objetivos da economia circular, existam questionamentos e até mesmo a judicialização de iniciativas. É o caso dos carregadores de celular, em que os órgãos públicos de defesa do consumidor questionam as fabricantes por venderem novos produtos sem incluir os carregadores aos aparelhos.

A reflexão serve também para as cápsulas de café, para os fones de ouvido e para todos os equipamentos “encostados” em casa ou no escritório. A economia circular evita o consumo de recursos escassos e não renováveis. As iniciativas precisam ser conhecidas, valorizadas e aprimoradas para que tudo possa ser aproveitado dentro do possível, a fim de que todo elemento entre no ciclo, contribuindo assim para uma sociedade mais sustentável visando esta e as próximas gerações. A economia circular é essencial na viabilização dos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança) para chegarmos a um modelo de desperdício zero.