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Como distinguir os contribuintes a partir de critérios de modulação de efeitos?

O tratamento potencialmente desigual entre contribuintes: da segurança jurídica ao interesse social.

 

No recente julgamento dos embargos de declaração no RE 574.706, em que se discutia a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, o Supremo Tribunal Federal (STF) modulou sua decisão para que ela produzisse efeitos apenas a partir de 15 de março de 2017, data da sessão em que foi julgada a tese de mérito, ressalvando as ações judiciais e administrativas até então protocoladas. Os contribuintes que haviam antes se insurgido contra a cobrança tiveram garantido o integral ressarcimento do tributo. Para os demais, esse direito foi limitado ao marco temporal eleito pelo STF, mesmo que as ações por eles movidas pudessem alcançar competências anteriores quando consideradas apenas as regras de decadência e prescrição.

A utilização da modulação de efeitos em julgamentos de matéria tributária é uma questão cada vez mais presente: o STF discutiu o tema em pelo menos trinta processos, tendo-a decretado em quatorze julgados e a negado em outras dezesseis ocasiões.

Com a recorrente utilização do instituto, seja por meio da modulação propriamente dita, decretada em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou através da denominada superação para frente na alteração de um precedente, o debate vem se concentrando em determinar como devem ser preenchidos os requisitos estabelecidos pelos artigos 27 da Lei 9.868/1999 e 927 do Código de Processo Civil (CPC), que permitem a limitação de efeitos das decisões judiciais em nome da segurança jurídica e do interesse social, especialmente em razão da alteração de jurisprudência dominante.

Segurança jurídica e interesse social são valores jurídicos que podem ser resguardados de distintas maneiras. Em comum a todos, ao se modular efeitos, discute-se como os julgados afetarão as relações entre Estado e contribuintes, invalidando ou, ao contrário, confirmando a validade de um tributo a partir de um determinando momento e em razão da satisfação de uma condição específica.

Alguns contribuintes entenderão como justa a modulação dos efeitos que, em seu proveito, dispense o recolhimento do tributo ou assegure sua restituição. Outros, ao contrário, afirmarão que a distinção estabelecida pelo tribunal é injusta por negar-lhes idêntico direito. Em ambas as hipóteses, entretanto, os contribuintes invocarão a segurança jurídica e o interesse social em seu favor, mesmo estando em posições distintas quando separados pela modulação.

Contudo, um relevante aspecto do instituto deve ser levado em consideração: modular efeitos de decisões judiciais significa estabelecer distinções entre contribuintes antes sujeitos à incidência uniforme de um tributo. Essa é uma premissa muitas vezes oculta quando se discute quais critérios devem guiar a modulação em matéria tributária, já que durante o processo judicial, figuram como partes opostas Fazenda e contribuintes, aqui coletivamente considerados.

A modulação de efeitos como causa de tratamento desigual entre contribuintes pressupõe, portanto, que seus fundamentos sejam analisados através da igualdade em suas múltiplas dimensões (princípio e regra) e com base em seus elementos estruturantes: a finalidade pretendida, os sujeitos envolvidos e a medida de comparação pela qual eles podem ser mutuamente considerados. Isso porque é através da igualdade que se torna possível controlar a aplicação dos fundamentos que determinam a modulação dos efeitos (segurança jurídica e interesse social) em imbricamento com outras normas jurídicas que informam critérios de justiça individual e geral.

Contudo, trata-se de eficácia relativa, pois é possível afastar o ideal constitucional pelo tratamento igualitário e estabelecer distinções entre contribuintes desde que satisfeito o ônus argumentativo em demonstrar razões suficientes para tanto.

A aplicação do princípio da igualdade na modulação dos efeitos das decisões em matéria tributária pode ser compreendida através de duas formas complementares:

  1. a que analisa se há razões suficientes que justifiquem tratamento desigual entre contribuintes, quando a relação entre a igualdade e os demais princípios invocados – segurança jurídica e interesse social – se estrutura de forma horizontal, isto é, quando entre eles há uma relação de oposição a ser resolvida pela demonstração da existência de fundamentos a justificar o afastamento do tratamento igualitário;
  2. a que, partindo da premissa de que a modulação é uma medida necessária, analisa se os critérios utilizados para limitar o efeito das decisões moduladas, como a eleição de um marco temporal a partir da ocorrência um determinado evento ao invés de outros hipoteticamente possíveis, é a medida que mais se aproxima da igualdade, aqui tomada em sua eficácia vertical, ou seja, pela qual ela não se contrapõe a outras normas jurídicas, mas lhes serve de estrutura e atua como parâmetro para a resolução de conflitos normativos.

Apesar da análise da necessidade ou não da modulação dos efeitos em face do princípio da igualdade seja relevante, aqui se analisa como a modulação de efeitos, uma vez decretada, afeta o tratamento igualitário entre contribuintes a partir dos elementos que estruturam a igualdade e que permitem compreender se, dentre as opções possíveis, foi eleita a medida que com ela possui relação mais próxima. A igualdade é analisada, portanto, a partir de sua eficácia vertical, que permite a solução de conflitos normativos decorrentes da coexistência de distintas formas de se modular efeitos de decisões judiciais, das quais decorre um maior ou menor afastamento do ideal constitucional pelo tratamento igualitário.

O justo, como antes se afirmou, poderá parecer de formas distintas e mesmo contraditórias para contribuintes separados pela modulação de efeitos. Para saber se a medida atende à igualdade, é necessário compreender que esse tipo de decisão necessariamente cria distinções e que elas podem ser justificadas, pois não há, como algumas vezes se vê afirmar, uma vedação absoluta a um tratamento desigual resultante da modulação, nem tampouco um direito do contribuinte em não ser por ela prejudicado em comparação a outro beneficiado.

O que se exige é que, uma vez afastada a presunção de tratamento igualitário, a medida utilizada pelas cortes para modular os efeitos de sua decisão seja a que guarde maior correlação com a igualdade, afetando-a na menor dimensão possível e que possua uma relação de causalidade fundada com a finalidade que motivou sua decretação.